Dayana Zdebsky de Cordova
Objetivo
Promover um intercâmbio cultural e estético entre o ponto de cultura Casa do Fandango, em Guaraqueçaba/Paraná, o fotógrafo Leco de Souza e a cientista social/produtora cultural Dayana Zdebsky. Para tanto a dupla propõe a criação de instalações públicas em comunidades atendidas pela Casa de Fandango, construídas através da sobreposição de imagens relacionadas às práticas culturais do fandango, produzidas tanto por habitantes da cidade quanto por Leco de Souza, e as suas respectivas paisagens culturais, sejam elas naturais ou construídas, históricas ou contemporâneas.
Justificativa
A cultura caiçara é, em geral, referida aos habitantes do litoral paranaense, paulista e sul fluminense. Frutos da clássica mistura brasileira de culturas indígena, ibérica e afro, as comunidades caiçaras têm (ou tinham) um modo de vida bastante particular que associa(va) a pesca, a agricultura familiar, o extrativismo animal e vegetal e o artesanato. O fandango é tido por muitos pesquisadores e moradores locais como uma das mais significativas, se não a mais significativa, forma de expressão da cultura caiçara. Plural, o fandango sempre envolveu diferentes práticas e “sotaques”. É dança e é música. Entre suas práticas está, por exemplo, a confecção de instrumentos musicais. Segundo os responsáveis pela Casa do Fandango, “tradicionalmente, os fandangos aconteciam como pagamento oferecido pelo mutirão (ou pixirão) de plantio, colheita ou puxada de barco. O beneficiado com o trabalho oferecia farta comida e um baile que atravessava a noite”.
A região caiçara do litoral norte do Paraná e sul de São Paulo, as quais a Casa do Fandango atende, foi a primeira a ser colonizada no sul do país (no século XVI) . De lá para cá, a região teve diferentes ciclos econômicos relacionados à cana-de-açúcar, café, banana, madeira e ao comércio marítimo e fluvial.
Mas os “tempos modernos” vieram e a região formada por pequenas comunidades, de difícil acesso terrestre (etc) e com muito mato não era exatamente favorável ao processo de modernização que transformou muitas das nossas pequenas cidades em grandes cidades no decorrer do século passado. Guaraqueçaba não era um lugar muito interessante para fábricas, por exemplo. Mas ela serviu muito bem a outro “valor” moderno: a separação entre natureza e cultura. À grosso modo, na modernidade, onde há natureza não há homem e onde há homem não há natureza. A natureza precisava ser domada, dominada e dar espaços ao modo de vida urbano moderno. E como a região caiçara tinha preservada grande parte de sua vegetação nativa, com a tomada de consciência dos modernos de que algo “de natural” tinha que ser preservado, na década de 1980 boa parte de região foi transformada em APAs (Áreas de Preservação Ambiental).
Se por um lado as APAs protegeram (e protegem) essas áreas do avanço “homem moderno” tornando-as, ao menos legalmente, inacessíveis a este, por outro sua rígida legislação tornou-a em grande medida inacessível para aqueles que dependiam delas e de suas terras para viver, aqueles que sempre estiveram lá: os caiçaras, que de maneira geral exploravam a região de forma sustentável. Consequência: inviabilidade da sobrevivência de muitas famílias, empobrecimento da região, esvaziamento populacional, necessidade da mudança do modo de vida.... Sem os mutirões de roçado e puxadas de barco, sem fandangos. Menor acesso à caxeta (madeira utilizada no feitio das rabecas, principal instrumento do fandango), menos fandango. E por aí vai...
Segundo os responsáveis pela Casa do Fandango, a partir da década de 1990
E o fandango se reconfigurou:
Este é o contexto e a matéria prima da qual resultará o principal produto deste projeto: intervenções de registros fotográficos impressos em vinil transparente, com molduras também transparentes, instalados nas paisagens-contextos das práticas do fandango - sejam elas naturais ou construídas – que sobreporão o registro ao seu próprio contexto, a imagem da representação a imagem do que é representado, a interpretação ao que é interpretado, o passado ao presente, a inscrição do imaterial ao que é material.
Tal “produto” não será uma obra do fotógrafo, mas, ele mesmo, em grande medida, uma construção coletiva. A proposição é do fotógrafo e de Dayana Zdebsky, mas a escolha do que será fotografado, a realização dos registros, a escolha dos lugares que receberão as instalações, bem como a montagem dessa exposição de grande abrangência territorial (que acabará formando um circuito), serão tanto dos idealizadores do projeto quanto dos caiçaras que participarem do mesmo. As instalações serão resultado da relação entre o olhar e a auto-representação daqueles que praticam o fandango quanto do olhar “estrangeiro-aproximado” do fotógrafo e da cientista social. O processo de trocas entre integrantes e contexto do ponto de cultura e fotógrafo não é apenas algo que possibilita a construção de um “produto cultural”, mas é, ele mesmo, de certa forma, o produto cultural desse projeto. A fim de intensificar esse processo de trocas, não apenas com a comunidade caiçara, mas também com os demais interessados, o projeto contará com um blog de acesso público vinculado ao site da Casa do Fandango.
Embora o fandango seja contemporaneamente reconhecido como uma forma privilegiada de expressão da cultura caiçara, pesquisada por vários estudiosos da música e cultura popular brasileira, ele muitas vezes é visto por alguns dos atuais habitantes da região caiçara como algo marginal. Isso obviamente não acontece apenas nessa região quando o assunto é cultura popular. Querendo ou não, a cultura popular ainda hoje é, em grande medida, uma cultura “paralela”, que não encanta necessariamente a aqueles que estão “no poder”, aos “estabelecidos”, nas palavras do sociólogo Norbert Elias[2]. Ao mesmo tempo, muitos daqueles que estão excluídos “do poder” local não aceitam ou reconhecem a legitimidade do fandango ao associá-lo à festas que varam noite adentro e nas quais existe o consumo de bebidas alcoólicas, por exemplo.
As intervenções fotográficas aqui propostas, ao serem instaladas em lugares de visibilidade pública que são, em sua maioria, o que Sharon Zukin chama de paisagens públicas de poder [paisagens construídas e manipuladas por aqueles que estão no poder público ou que tem recursos financeiros e/ou simbólicos para (re)construí-las[3]], sobrepõem esteticamente coisas referentes a paisagem vernacular (dos destituídos de poder) do fandango às paisagens públicas. Ao fazê-lo, traz para estes espaços públicos, em uma ação estética-política, a possibilidade de convivência dessas paisagens, um olhar diferenciado para muitos sobre o fandango, além de colocá-lo em “foco” para aqueles que freqüentam esses espaços.
Transparentes, as imagens fotográficas do fandango instaladas nos espaços funcionarão como a marca do que, e um outro momento, esteve ali presente. Auráticas, imprimirão sua alma seus espaços. Como serão instaladas em diferentes comunidades atendidas pela casa de fandango, formarão um circuito entre elas, passível de ser percorridos por aqueles que se interessarem pelo mesmo, uma vez que será disponibilizado via internet e por um mapa impresso na Casa do Fandango.
A fim de instrumentalizar os freqüentadores do ponto de cultura para que possam produzir (ou resgatar) tais registros, serão realizadas duas ações: um workshop ministrado pelo fotógrafo relacionado às técnicas de documentação fotográfica e suas possíveis construções representacionais, e outro relacionado à sistematização, conservação e disponibilização do material imagético da casa de fandango para consulta. Ao mesmo tempo, o fotógrafo participará, durante os três meses do projeto, de atividades promovidas pela Casa do Fandango, em uma espécie de pesquisa de campo, a fim de vivenciar o contexto no qual se inserirá com sua obra.
O produto do projeto tem como referência a perspectiva antropológica clássica com sua noção de pesquisa de campo e a relação entre o saber nativo e o que vem de fora, bem como a pós-moderna no sentido da inserção da voz do “nativo” no texto antropológico; intervenções urbanas que são meta-comentários da cultura da cidade e criam verdadeiros circuitos dentro da mesma; o auto-retrato como forma de auto-representação através da fotografia, entre outras...
Ao se utilizar de uma linguagem inspirada na escrita urbana em um espaço, por assim, não urbano (se comparado às grandes cidades), o projeto leva o que é relativamente previsível ao espaço urbano (intervenções imagéticas) ao ambiente caiçara contanto com a potência reflexiva gerada por uma suposta “novidade”.
Promover um intercâmbio cultural e estético entre o ponto de cultura Casa do Fandango, em Guaraqueçaba/Paraná, o fotógrafo Leco de Souza e a cientista social/produtora cultural Dayana Zdebsky. Para tanto a dupla propõe a criação de instalações públicas em comunidades atendidas pela Casa de Fandango, construídas através da sobreposição de imagens relacionadas às práticas culturais do fandango, produzidas tanto por habitantes da cidade quanto por Leco de Souza, e as suas respectivas paisagens culturais, sejam elas naturais ou construídas, históricas ou contemporâneas.
Justificativa
A cultura caiçara é, em geral, referida aos habitantes do litoral paranaense, paulista e sul fluminense. Frutos da clássica mistura brasileira de culturas indígena, ibérica e afro, as comunidades caiçaras têm (ou tinham) um modo de vida bastante particular que associa(va) a pesca, a agricultura familiar, o extrativismo animal e vegetal e o artesanato. O fandango é tido por muitos pesquisadores e moradores locais como uma das mais significativas, se não a mais significativa, forma de expressão da cultura caiçara. Plural, o fandango sempre envolveu diferentes práticas e “sotaques”. É dança e é música. Entre suas práticas está, por exemplo, a confecção de instrumentos musicais. Segundo os responsáveis pela Casa do Fandango, “tradicionalmente, os fandangos aconteciam como pagamento oferecido pelo mutirão (ou pixirão) de plantio, colheita ou puxada de barco. O beneficiado com o trabalho oferecia farta comida e um baile que atravessava a noite”.
A região caiçara do litoral norte do Paraná e sul de São Paulo, as quais a Casa do Fandango atende, foi a primeira a ser colonizada no sul do país (no século XVI) . De lá para cá, a região teve diferentes ciclos econômicos relacionados à cana-de-açúcar, café, banana, madeira e ao comércio marítimo e fluvial.
Mas os “tempos modernos” vieram e a região formada por pequenas comunidades, de difícil acesso terrestre (etc) e com muito mato não era exatamente favorável ao processo de modernização que transformou muitas das nossas pequenas cidades em grandes cidades no decorrer do século passado. Guaraqueçaba não era um lugar muito interessante para fábricas, por exemplo. Mas ela serviu muito bem a outro “valor” moderno: a separação entre natureza e cultura. À grosso modo, na modernidade, onde há natureza não há homem e onde há homem não há natureza. A natureza precisava ser domada, dominada e dar espaços ao modo de vida urbano moderno. E como a região caiçara tinha preservada grande parte de sua vegetação nativa, com a tomada de consciência dos modernos de que algo “de natural” tinha que ser preservado, na década de 1980 boa parte de região foi transformada em APAs (Áreas de Preservação Ambiental).
Se por um lado as APAs protegeram (e protegem) essas áreas do avanço “homem moderno” tornando-as, ao menos legalmente, inacessíveis a este, por outro sua rígida legislação tornou-a em grande medida inacessível para aqueles que dependiam delas e de suas terras para viver, aqueles que sempre estiveram lá: os caiçaras, que de maneira geral exploravam a região de forma sustentável. Consequência: inviabilidade da sobrevivência de muitas famílias, empobrecimento da região, esvaziamento populacional, necessidade da mudança do modo de vida.... Sem os mutirões de roçado e puxadas de barco, sem fandangos. Menor acesso à caxeta (madeira utilizada no feitio das rabecas, principal instrumento do fandango), menos fandango. E por aí vai...
Segundo os responsáveis pela Casa do Fandango, a partir da década de 1990
sob o incentivo de pesquisadores, alguns fandangueiros tradicionais passaram a se reorganizar em grupos de apresentação, como a Família Pereira e os fandangueiros da Barra do Superagüi e do Ararapira. Em paralelo, alguns jovens retomaram o interesse pelo aprendizado dessas práticas, constituindo os grupos Pirão do Mesmo e o Mamulengo Fâmulos de Bonifrates[1].
E o fandango se reconfigurou:
Atualmente o fandango acontece sob as diferentes formas de festa comunitária, baile público, apresentação artística ou em recriações por grupos mirins. Seu ambiente [ainda] envolve [...] a produção de instrumentos, a organização de mutirões e trabalhos de pesquisa e afirmação cultural das práticas caiçaras locais.
Este é o contexto e a matéria prima da qual resultará o principal produto deste projeto: intervenções de registros fotográficos impressos em vinil transparente, com molduras também transparentes, instalados nas paisagens-contextos das práticas do fandango - sejam elas naturais ou construídas – que sobreporão o registro ao seu próprio contexto, a imagem da representação a imagem do que é representado, a interpretação ao que é interpretado, o passado ao presente, a inscrição do imaterial ao que é material.
Tal “produto” não será uma obra do fotógrafo, mas, ele mesmo, em grande medida, uma construção coletiva. A proposição é do fotógrafo e de Dayana Zdebsky, mas a escolha do que será fotografado, a realização dos registros, a escolha dos lugares que receberão as instalações, bem como a montagem dessa exposição de grande abrangência territorial (que acabará formando um circuito), serão tanto dos idealizadores do projeto quanto dos caiçaras que participarem do mesmo. As instalações serão resultado da relação entre o olhar e a auto-representação daqueles que praticam o fandango quanto do olhar “estrangeiro-aproximado” do fotógrafo e da cientista social. O processo de trocas entre integrantes e contexto do ponto de cultura e fotógrafo não é apenas algo que possibilita a construção de um “produto cultural”, mas é, ele mesmo, de certa forma, o produto cultural desse projeto. A fim de intensificar esse processo de trocas, não apenas com a comunidade caiçara, mas também com os demais interessados, o projeto contará com um blog de acesso público vinculado ao site da Casa do Fandango.
Embora o fandango seja contemporaneamente reconhecido como uma forma privilegiada de expressão da cultura caiçara, pesquisada por vários estudiosos da música e cultura popular brasileira, ele muitas vezes é visto por alguns dos atuais habitantes da região caiçara como algo marginal. Isso obviamente não acontece apenas nessa região quando o assunto é cultura popular. Querendo ou não, a cultura popular ainda hoje é, em grande medida, uma cultura “paralela”, que não encanta necessariamente a aqueles que estão “no poder”, aos “estabelecidos”, nas palavras do sociólogo Norbert Elias[2]. Ao mesmo tempo, muitos daqueles que estão excluídos “do poder” local não aceitam ou reconhecem a legitimidade do fandango ao associá-lo à festas que varam noite adentro e nas quais existe o consumo de bebidas alcoólicas, por exemplo.
As intervenções fotográficas aqui propostas, ao serem instaladas em lugares de visibilidade pública que são, em sua maioria, o que Sharon Zukin chama de paisagens públicas de poder [paisagens construídas e manipuladas por aqueles que estão no poder público ou que tem recursos financeiros e/ou simbólicos para (re)construí-las[3]], sobrepõem esteticamente coisas referentes a paisagem vernacular (dos destituídos de poder) do fandango às paisagens públicas. Ao fazê-lo, traz para estes espaços públicos, em uma ação estética-política, a possibilidade de convivência dessas paisagens, um olhar diferenciado para muitos sobre o fandango, além de colocá-lo em “foco” para aqueles que freqüentam esses espaços.
Transparentes, as imagens fotográficas do fandango instaladas nos espaços funcionarão como a marca do que, e um outro momento, esteve ali presente. Auráticas, imprimirão sua alma seus espaços. Como serão instaladas em diferentes comunidades atendidas pela casa de fandango, formarão um circuito entre elas, passível de ser percorridos por aqueles que se interessarem pelo mesmo, uma vez que será disponibilizado via internet e por um mapa impresso na Casa do Fandango.
A fim de instrumentalizar os freqüentadores do ponto de cultura para que possam produzir (ou resgatar) tais registros, serão realizadas duas ações: um workshop ministrado pelo fotógrafo relacionado às técnicas de documentação fotográfica e suas possíveis construções representacionais, e outro relacionado à sistematização, conservação e disponibilização do material imagético da casa de fandango para consulta. Ao mesmo tempo, o fotógrafo participará, durante os três meses do projeto, de atividades promovidas pela Casa do Fandango, em uma espécie de pesquisa de campo, a fim de vivenciar o contexto no qual se inserirá com sua obra.
O produto do projeto tem como referência a perspectiva antropológica clássica com sua noção de pesquisa de campo e a relação entre o saber nativo e o que vem de fora, bem como a pós-moderna no sentido da inserção da voz do “nativo” no texto antropológico; intervenções urbanas que são meta-comentários da cultura da cidade e criam verdadeiros circuitos dentro da mesma; o auto-retrato como forma de auto-representação através da fotografia, entre outras...
Ao se utilizar de uma linguagem inspirada na escrita urbana em um espaço, por assim, não urbano (se comparado às grandes cidades), o projeto leva o que é relativamente previsível ao espaço urbano (intervenções imagéticas) ao ambiente caiçara contanto com a potência reflexiva gerada por uma suposta “novidade”.